Relatório de Viagem
II módulo: acompanhamento das pesquisas
1 Observações sobre os deslocamentos:
1.1 Brasília - Aldeia Sai Cinza
A viagem para participação no projeto “Ibaorebu - Ensino Médio Integrado Munduruku” teve seu início no dia 10 de março de 2008 com o deslocamento no vôo da TAM saindo de Brasília às 23h00min, chegando a Belém às 03h40min. Após um breve pernoite no aeroporto, embarquei em vôo da META às 06h00min seguindo para Itaituba onde cheguei às 10h30min onde fui recebido pelo Sr. Giliard funcionário da Administração Executiva Regional da FUNAI, AER- Itaituba que me levou para a sede da FUNAI onde conversei um pouco com o Sr. Julien administrador executivo do escritório local.
Após algumas providências enquanto aguardava a caminhonete para deslocamento para Jacareacanga, embarcamos em veículo fretado pela prefeitura de Jacareacanga e fomos para a sede da empresa de transporte Jacaré, eu e mais uns dez índios entre crianças e adultos, onde aguardamos por três horas colocar a lona da carga, o conserto de pneus e o abastecimento para a viagem. Finalmente saímos com chuva e uma previsão de chegarmos a Jacareacanga às 2 ou 3 horas da madrugada do dia seguinte. A estrada estava razoável segundo informações do motorista. “Muita lama sem atoleiros só com algumas subidas em estado precário”.
O que mais impressionou é o estado das caminhonetes em que viajamos, que aparentemente têm sua mecânica em boas condições, mas deixou dúvidas. O excesso de carga em um veículo D-20 que teve seu último exemplar fabricado em 1995, salvo engano, tendo, portanto, por volta de pelo menos 12 a 13 anos de uso em condições amazônicas, preocupou mais ainda quando soube que carregam em média 2.000 kg, entre carga e passageiros, quando são estruturadas para 800 kg pela montadora. Isso é feito praticamente apenas com um reforço nas molas, que são originalmente 5 e passam para até 12 e com o reforço do motor e câmbio. O restante da estrutura sequer é alterada ou reforçada.
Após muita chuva fina, mas constante, e diversos momentos de tensão, chegamos, já às 01h20min da madrugada, a um local onde a estrada estava interrompida com um caminhão atravessado tendo que pernoitar no veículo mesmo. Havíamos percorrido 230 km de trans-amazônica e me pareceu interessante e providencial a parada obrigatória visto o desgaste do motorista único e nessa altura, já movido a café, muita coragem e irresponsabilidade. Cheguei a comentar carinhosamente que ele daria um bom piloto de rali.
Os veículos são de propriedade particular de cada motorista e sua manutenção feita pelos mesmos sem aparentes preocupações ou compromissos da empresa agenciadora ou de quem aloca os serviços para os Munduruku e seus funcionários, no caso FUNAI, FUNASA e Prefeitura de Jacareacanga.
Continuamos no dia seguinte após a liberação da estrada por volta das 06h00min, chegando a Jacareacanga às 10h30min sem maiores incidentes. Para minha surpresa apenas a lona que cobria a carga estava furada e minha bagagem toda bem molhada.
Pelo que pude apurar em diversas conversas, tudo muito normal por aqueles lados de um Brasil abandonado e liberado oficialmente para o transporte precário de passageiros, principalmente durante a época das chuvas. Resumindo, a viagem transcorreu dentro das possibilidades, com certo, mas desconhecido e pouco observado, risco real de vida.
No momento, devido aos custos elevados de transportes alternativos, a dependência por esse meio é total, sendo que as pessoas o utilizam pela falta de opção. É, portanto, ”recomendada” maior atenção no tratamento dispensado ao transporte de “indígenas” e “servidores”. Que seja mais bem pensado na região, quem sabe com veículos da própria associação, que poderia de forma autônoma dar maior “dignidade” a seus parentes e às pessoas que estão a serviço dos diversos órgãos e mesmo em trabalhos como colaboradores eventuais a serviço da causa indígena.
Nesse sentido recomenda-se ao projeto “Ibaorebu” que procure se estruturar de forma mais autônoma com condições de oferecer melhores condições de trabalho sem riscos desnecessários de vida aos professores e indigenistas participantes permanentes e colaboradores eventuais para que este não seja mais um risco, visto que outros, relativos à periculosidade e insalubridade, não podemos evitar. Pode parecer certo preciosismo e cuidado excessivo, pois sei da precariedade geral do atendimento e atenção a populações indígenas principalmente na Amazônia, mas também no Brasil em geral. Não posso, porém, fingir que não vi e senti, e quero deixar aqui meu depoimento, pois acredito ser importante procurar essa melhoria para que o estresse enfrentado já no início dos trabalhos não comprometa o desempenho durante os mesmos.
Chegando a Jacareacanga, levei meu material para a FUNASA onde procurei apoio e consegui fazer contato com o André, coordenador dos trabalhos do projeto, e após fazer alguma compra de provisões e acertar o deslocamento para aldeia Sai Cinza, aguardei até as quatro horas uma carona em um barco da FUNASA. O barco estava levando um técnico especializado em malária para seus trabalhos de rotina na aldeia. E após problemas resolvidos com a troca do motor. Chegamos a Sai Cinza, em 01h00min de subida, por volta das 18h:30min.
1.2 Aldeia Sai Cinza – Aldeia Katõ
Os trabalhos na aldeia Sai Cinza foram realizados até o dia 17 de março no dia 18 já com o material preparado para levar para aldeia Kato, ficamos aguardando o deslocamento para a aldeia Kato.
T
Barco superlotado: pessoas; combustível; e provisões.
Equipe que foi para Missão Cururu
ivemos alguns pequenos problemas, pois o barco que nos levaria a aldeia, precisou ser utilizado pelo capitão da aldeia para levar um motor da marcenaria dos missionários para Jacareacanga e o outro barco ainda se encontrava na cidade aguardando parte das provisões que se destinavam aos trabalhos. Após infinitos atrasos conseguimos, depois de trocas de barcos na hora do embarque para redimensionamento de cargas, saímos de Sai Cinza às 14h00min com mais cinco Munduruku que precisaram de uma carona para aldeia Jardim Caburuá que fica no caminho. O motor utilizado é um 15 Hp, o que para um barco grande seria inadequado, considerando a relação peso velocidade, e ai a viagem foi lenta com chegada à aldeia por volta das 19h30min. A viagem lenta permitiu uma melhor observação da vegetação local, das matas de igapó, e mesmo após a saída de alguns passageiros na aldeia Jardim Caburuá o barco continuou lento principalmente no trecho final quando escureceu e utilizamos apenas duas lanternas para indicar o caminho.
Aqui mais uma vez recomendamos maior atenção nos projetos de alocação de recursos para melhoria da infra-estrutura operacional autônoma para o projeto. É importante que se tenha de propriedade do projeto Ibaorebu, barcos, motores e demais equipamentos necessários em quantidade e dimensão adequadas para o bom desenvolvimento dos trabalhos em tempo e segurança, sem que sacrifiquem os servidores e alunos em deslocamentos normalmente longos e sujeitos as condições climáticas desfavoráveis.
1.3 Aldeia Katõ – Brasília
Aqui pela primeira vez tivemos um dimensionamento adequado do barco que além de ser prioritário para a viagem do curso e de estar pronto para viajar desde os primeiros momentos da manhã, tinha uma dimensão adequada, sendo um motor 40 Hp e, além disso, o barco estava vazio, pois ia apenas pegar alguma provisão ainda necessária para a alimentação no curso. Sai da aldeia na sexta-feira da paixão de cristo. Nesse dia era feriado em Jacareacanga e ai não tivemos o peso extra de caronas. Porém também tudo ficou dificultado. Não havia nenhuma caminhonete para Itaituba. Só teria no dia seguinte. O hotel mais barato estava cheio e tive que ir para o mais caro. Depois mudei para outro que descobri que era mais barato ainda. Embora bem ventilado pela grande janela, tive que dormir em minha rede com o mosquiteiro o que foi muito bom. Marquei para o dia seguinte uma vaga na cabine da caminhonete. No Sábado fui para Itaituba, mas a saída de Jacareacanga só aconteceu às 12h00min, após conseguirem mais alguns passageiros. Fizemos uma viagem boa principalmente por que o motorista estava realizando sua primeira viagem e assim tinha que andar devagar e com mais atenção. Chegamos a Itaituba às 21h00min.
No domingo permaneci em Itaituba, pois o vôo para Belém só seria realizado na segunda-feira pela manhã chegando a 1 hora da tarde. Embarcamos para Brasília às 17 horas tudo transcorrendo conforme o planejado.
2. Acompanhamento das pesquisas
2. 1 Trabalhos na Aldeia Sai Cinza
Na quinta-feira, dia 13/03/2008, já na aldeia Sai Cinza, procurei me interar com a equipe do que estava acontecendo e aproveitei para conversar e ler sobre documentos complementares do Curso de Ensino Médio Integrado Munduruku. Ainda faltavam alguns participantes para início dos trabalhos sendo necessário aguarda-los para no dia seguinte iniciarmos com todos.
Como não havia trabalho definido para o dia, resolvi, por conta própria, continuar uma pesquisa que havia iniciado anteriormente sobre os restos jogados em “lixeiras” e por toda a aldeia de forma geral. Esses restos nos dão informação do que se é adquirido de fora das aldeias relativo a coisas industrializadas. Mostram claramente os pontos de dependência externa. Também nos possibilitam verificar as mudanças e induções de hábitos alimentares e consumistas, e até mesmo questões relativas à falta de saúde, vícios e existência de determinadas doenças.
Ao mesmo tempo em que andava pela aldeia em busca dos vestígios de nossa sociedade, verifiquei também as diversas plantas frutíferas e medicinais caseiras e procurei observar as que tinham problemas de falta de saúde e também as que não tinham esses problemas, embora estivessem plantadas uma ao lado das outras. Também foi possível verificar outros problemas ambientais relativos principalmente à erosão.
Após uma rápida investigação e registro, me dirigi ao armazém existente na aldeia para verificar o que é vendido no local. Mais uma vez procurei registrar tudo que lá estava exposto para comercialização.
Praticamente tudo que encontrei é insustentável. Além dos itens acima visualizados, encontrei velas, pilhas, linha de pesca, foguetes, e material para limpeza em geral. O único item alimentar interessante foi a milharina.
Cabe sobre esse tema, muitas considerações, relativas aos binômios saúde/doença e sustentabilidade/dependência, todos fatores de grande corrosão da autonomia e autodeterminação, mas como estamos tratando de educação prefiro falar melhor em outra ocasião, ficando o material recolhido apenas para uma reflexão sobre o que devemos levar como alimentos para o curso, uma vez que estamos trabalhando educação.
À noite foi realizada uma reunião com a equipe para acertos finais da metodologia de trabalho que seria seguida e da programação a ser cumprida pelos professores e monitores. Foi também informado a presença do pesquisador Francês Pierre Pica que estava de passagem e poderia apresentar seus trabalhos para quem quisesse conhecer.
Na sexta-feira, dia 14/03/2008, iniciamos os trabalhos na aldeia Sai Cinza com três turmas sendo que na que fiquei, éramos eu e o Prof. Vitor Hugo como professores/assessores e o Prof. João Kabá, o Deusivaldo e o Agente de Saúde Haroldo como monitores.
Pela manhã foram discutidos os procedimentos e encaminhamentos para o acompanhamento das pesquisas: metodologia, estratégias e operacional. Assim, em nossa turma, os monitores, após uma breve apresentação assumiram os trabalhos.
Conforme fala do João Kabá “para estudar lá fora é difícil, eu sou resultado da escola de lá de fora”. E o Haroldo, no seu tempo, disse completando “aqui tem uma resposta do porque que eu vou estudar isso ou aquilo”. O Deusivaldo falou sobre seus cursos e estudos e assim todos os monitores começaram a interagir com a turma. Ainda pela manhã foi aberto um espaço para colocação de problemas encontrados de forma geral. Foi falado sobre a distribuição dos rádios (gravadores), pois só foram distribuídos muito tempo depois de terem sido repassados aos chefes de posto. Além disso, foram distribuídos sem a orientação para o seu uso.
Aqui merecem ser levantadas algumas considerações visto ser equipamento muito importante para auxiliar no desenvolvimento das pesquisas:
Os gravadores são patrimônio da FUNAI, o que restringe o seu uso, visto que o chefe de posto é o responsável por sua guarda e acaba por cercear, mesmo que involuntariamente, o uso mais livre do equipamento;
O fato de ser um gravador digital e de todos saberem que pode passar direto para o computador passa a exigir, de certa forma a presença do mesmo, passando a depender de tecnologia de difícil acesso na terra indígena. Isso pode e deve ser contornado com a orientação para a transcrição imediata das gravações efetuadas liberando novo espaço;
Também deve ser orientado sobre a própria gravação sendo importante que se faça uma experiência antes para que fique claro que não é só ir gravando, pois depois teremos que transcrever. Muitas entrevistas ficam no áudio por falta de tempo para as transcrições que levam muito tempo, é importante então saber o que gravar e quanto tempo usar;
São em número insuficiente para os vários grupos, havendo, portanto um revezamento, sempre complicado.
À tarde foi apresentado o cronograma para esse ano do curso e depois iniciado o trabalho de acompanhamento, retornando aos passos já realizados. Só não ficou dito sobre a etapa que será realizada antes da primeira etapa presencial, quando será realizada uma reunião geral dos professores e monitores para planejamento e definição do módulo presencial que ocorrerá provavelmente em junho / julho. Em resumo, me preocupei em observar como estava sendo desenvolvido o processo de protagonismo dos monitores na condução dos trabalhos dentro da sala de aula e da aceitação e interação dos mesmos com os alunos, do que propriamente com o conteúdo do que estavam discutindo de forma apaixonada e firme em sua própria língua. Mas no relatório do Prof. Vitor Hugo o conteúdo discutido deve está descrito, pois sempre um dos monitores estava traduzindo para ele o que estava acontecendo.
À noite foi realizada uma segunda reunião da equipe, agora juntamente com os monitores, para estabelecer os passos para o dia seguinte. Aqui ficaram definidos os principais pontos a serem verificados pelas equipes, sendo: revisão dos passos; sobre a metodologia e sua eficácia; sobre os recursos utilizados; sobre as descobertas; sobre as dificuldades encontradas e enfrentadas. Neste ponto completei dizendo que as dificuldades poderiam ser de ordem de condução/ compreensão, operacionais, metodológicas e mesmo de acesso a informações através de entrevistas de pessoas e pesquisa bibliográfica.
Por último ficou definido ser importante, que depois de percorridos esses passos fosse feita uma definição das estratégias de continuidade das pesquisas e assim uma apresentação geral do andamento dos trabalhos.
Coloquei ainda para reflexão os seguintes comentários:
Sobre a comunicação e acesso a informação e suas diversas dimensões, CD ou fita cassete ou jornal, E-mail para assessorar os monitores e representantes dos grupos de pesquisa e assim o uso do GESAC, Ponto de cultura e MCT para apresentação de projetos;
Sobre o Gerenciamento Externo e Interno do Projeto, que acho que deve se chamar programa. Sendo informado pelo André que ele faz a coordenação de articulação e a Professora Judite a coordenação pedagógica. Falamos sobre a necessidade de uma coordenação de apoio em Itaituba (que poderia ser o setor de educação a ser criado). Ainda e principalmente o gerenciamento pela comissão indígena que deve ser criada oficialmente no meu entender, pois é quem poderá além de auxiliar e estar à frente do processo, fazer as devidas cobranças quando necessário.
Sobre o intercâmbio entre alunos e monitores com outras experiências de outros povos. Quando foi falado da possibilidade de viagem ao Parque Indígena do Xingu para conhecer e participar de um curso sobre criação de tracajá.
Sobre a sustentabilidade da equipe: Assessoria especializada, quadro de professores permanentes da equipe de apoio e equipe operacional de campo. Aqui se falou sobre os recursos existentes na Secretaria de Educação do estado do Pará, destinados ao projeto Munduruku, sobre a possibilidade da mesma contratar monitores e professores permanentemente criando um quadro para atender a essa necessidade, sobre o apoio da FUNAI e outros que podem ser conseguidos principalmente, mas não só, na parte operacional. Mas também ficou dita a importância da autonomia indígena como protagonista do processo, sendo importante essa construção para que lhes seja dada a oportunidade de condução de suas próprias vidas.
Após a reunião foi realizada uma apresentação do Pierre Pica sobre a percepção de mundo dos Munduruku. Sobre a simetria da vida, sobre os grupos de contar expressos na matemática, sobre o sol do dia e o sol da noite. A existência da compreensão sobre as fases da lua, sobre onde o sol nasce, sobre onde a lua se posiciona no céu conforme a época do ano, a existência de relação entre o céu e a agricultura.
Ficou-me parcialmente claro, ou talvez perto de uma definição, a existência de um mundo de compreensão onde a construção do mesmo é feita com certa liberdade de aproximação ao invés da rigidez da certeza e verdade absoluta preconizada pelo cartesianismo ocidental. Aqui acho importante recomendar que seja procurado um maior intercâmbio entre essa pesquisa e o processo de educação preconizado pelo projeto onde a pesquisa deve orientar os temas a serem desenvolvidos para exercício dos conhecimentos e práticas científicas do aprendizado.
Olhando melhor essa pesquisa, ainda que superficialmente, pela sua riqueza e por representar fragmentos da raiz cultural Munduruku, deve-se cuidar e respeitar esses conhecimentos e aproveita-los agora no ensino médio integrado e futuramente em um outro processo, que talvez os próprios formandos do ensino médio, que estamos oportunizando, possam construir no sentido de uma escola verdadeiramente indígena que poderá seguir passos em um caminho paralelo ao ensino brasileiro para indígenas.
No sábado, dia 15/03/2008, após o lanche matinal, tivemos uma grata surpresa quando nos deparamos com uma mobilização geral preconizada pela escola brasileira de ensino fundamental, que trabalha principalmente com os jovens e crianças, a limpeza da aldeia. Falta ainda uma melhor orientação para o destino final de cada componente retirado e encontrado, sendo que tudo vai para um mesmo destino, e como se corta capim, também se cortam galhos de árvores o que precisa ser equacionado. Mas é preciso elogiar e auxiliar tal iniciativa, procurando dar seguimento e rumo para a tarefa ficar bem consolidada culturalmente.
Seguiu-se um momento tenso de conflito inter-pessoal na equipe visto a postura inter-étnica inadequada estabelecida por um dos participantes brasileiros, o que deve ser tratado posteriormente e devidamente adequado. Após uma pequena conversação entre pessoas da equipe, sem maiores problemas, tudo foi parcialmente encaminhado, mas há necessidade de discussão posterior sobre fatos da mesma natureza que possam vir a ocorrer e mesmo sobre a escolha e orientação de profissionais para o trabalho em campo.
Os trabalhos se iniciaram com os monitores assumindo a turma falando sobre o curso. Deusivaldo continuou falando sobre os cursos técnicos, sobre a educação nas aldeias, sobre as famílias e sobre a importância da prática. João Kabá deu seguimento falando sobre a teoria na escola e a prática no campo, sobre a importância da mesa dos saberes, sobre as informações coletadas sobre os documentos por fazer. Depois o Haroldo entrou na conversa, procurando falar bastante sobre a pesquisa, o que pesquisar, como pesquisar e para que pesquisar sendo falado, para nós “pariwat”, que para os Munduruku esses passos fazem parte de uma só compreensão. “Na língua indígena se fala diferente”. Falou ainda como preparar o material e como se expressar sobre os conhecimentos no relatório final. Gercivaldo levantou dizendo que tem muitas dúvidas e dificuldades. Ai o Haroldo continuou dizendo que é para isso que estamos aqui. Exemplo: Quando se fala no campo, não é só no campo de futebol , mas ir a procura de informação de uma pesquisa. Borracha, seringa, vão atrás dos velhos. Se o rádio não está disponível, pega o caderno e escreve. Mas é difícil as pessoas entenderem na língua do “pariwat”. Tem que tirar suas dúvidas pois senão vai ficar para sempre. Este curso está nascendo agora. Um bebê. Quando terminar o curso ai vai mostrar na prática. Os alunos tem que participar, colocar na prática.
Aqui fiz uma observação silenciosa registrando como é importante e adequado o espaço da educação, criativa e dentro da realidade cotidiana e histórica, para o estabelecimento e afirmação do protagonismo indígena. É muito interessante, sobretudo vê-los conduzindo a atividade com segurança e propriedade. Cabe aqui ainda uma reflexão sobre as pessoas, “educadores e não técnicos simplesmente”, a serem envolvidas e sua capacitação pedagógica em serviço, se necessário, para podermos realmente permitir, onde couber a oportunidade para o protagonismo indígena aflorar e assim construirmos juntos um processo de autonomia indígena real tanto da gestão quanto do saber. Dessa forma é importante que haja sempre o acompanhamento, avaliação e instrução pedagógica durante as atividades.
Desse momento em diante, ainda pela manhã, foi feita uma visita às outras salas por mim e pelo monitor João Kabá que resolveu modificar a arrumação da sala fazendo-se um grande círculo, como uma das outras. Depois se falou sobre o que significam dados e foi explicado que os dados significam informações e elas precisam ser organizadas. Ai o João Kabá fez um gráfico no quadro-verde explicando sobre os tracajás e sua população através dos anos. Foi quando fiz uma pequena interferência dizendo que um gráfico é uma forma de registro, uma linguagem e que precisava ter as unidades em cada eixo para ser compreendido (lido).
Ainda pela manhã foram separados os grupos para discussão interna dos conhecimentos sobre os passos e depois para discussão sobre cada trabalho.
À
O monitor João Kabá explica para o professor Vitor
Hugo o que está sendo dito no trabalho de pesquisatarde foi feita uma rápida avaliação da forma como os monitores passaram a atuar. O resultado foi a compreensão unânime de que assim eles estavam compreendendo muito mais e assim podendo tirar as dúvidas. Era visível o crescimento da participação de um dia para o outro. Os professores se nivelam com os alunos.
O Haroldo falou, “No futuro índio mesmo vai coordenar os professores vão sair, esse projeto de grande porte vai ser feito pelo próprio índio”. Isso é autonomia e autodeterminação.
Nesse processo os monitores deixaram claro que todos podem e devem falar se acham que alguma coisa pode melhorar. Precisa falar menos técnico de forma mais simples para compreender melhor. Depois foi aberta a palavra para alunos e alunas que expuseram suas opiniões. Uma delas foi: “é mais fácil monitor indígena do que branco”.
Mas ficou claro aqui também que não só o protagonismo indígena, e a participação oportunizada aos alunos deram um novo tom. Também o tempo livre para seguirem, e quando chegavam à frente e ainda inseguros, voltarem e arrumarem tudo para todos. “ Nós monitores temos que ter muito cuidado na hora de sermos ansiosos”. E também o quanto é interessante quando um fala e o outro passa a compreender melhor, pois o que o outro falou é realidade vivenciada no mesmo imaginário de parte dos que estão ouvindo.
Os monitores continuaram um pouco as discussões pedindo a cada grupo que falasse sobre a metodologia, sobre os recursos utilizados, sobre as descobertas e sobre as dificuldades encontradas e solicitado que cada um fizesse um relatório para apresentar estas questões juntamente com uma estratégia para continuidade das pesquisas.
À noite, mais uma reunião da equipe de trabalho para avaliação da metodologia empregada e dúvidas. Os monitores presentes falaram um pouco a respeito das apresentações explicando como foi a metodologia desenvolvida.
No Domingo, dia 16/03/2008, pela manhã foi dada a continuidade a apresentação do andamento das pesquisas pelos diversos grupos. Ao final da manhã foram realizadas conversas sobre a responsabilidade e cobrados os relatórios que haviam sido solicitados anteriormente.
A
Grupo Poy - Mudança da Culturas apresentações foram realizadas com todos os participantes se colocando a frente da sala para, um por um apresentar parte da pesquisa. Dava para ver a segurança de alguns e a insegurança de outros, o que na maior parte das vezes não significou a não participação no trabalho, mas a dificuldade de se apresentar em público. Alguns começaram a ler os trabalhos e ai foi feita uma interferência nos bastidores conversando com o João Kabá sobre a importância de se explicar o que foi feito e falar a respeito ao invés de uma simples leitura.
F
Grupo de pesquisa sobre a malária
Grupo de pesquisa sobre o tracajá
oi apresentado o trabalho do grupo da borracha, mas eu não estava em sala nesse momento. A seguir vi a apresentação do grupo que trabalhou a questão da malária. Então o Haroldo falou sobre a desorganização do grupo. Também deu para perceber que a metodologia de pesquisa utilizada foi diferente, visto a realidade existencial de cada grupo. Enquanto um foi entrevistar um técnico da FUNASA em Jacareacanga, o outro se preocupou em buscar informações sobre o assunto na memória dos velhos. Depois quando os grupos estavam fazendo os relatórios fiz uma pergunta a eles para saber quem já havia tido malária e quantas vezes. Basicamente todos já haviam tido mais de uma vez e em circunstâncias diversas e isso, falei é informação para justificar a pesquisa.
Após essa apresentação, foi a vez do grupo Datxê (gavião rei). O grupo estava também bastante desorganizado e pouco produziu a respeito da pesquisa. Falaram apenas um pouco que não se encontra tracajá nessa época. Que ele não cresce há três meses (tem um dos integrantes que começou a criar um e está medindo ele a cada mês). Ele disse também que onde tem tracajá é lá para o Rio Teles Pires. Há também o problema da imprecisão do instrumento utilizado, uma fita métrica de costurar, que pode apresentar variações até mesmo por estar dobrada ou esticada quando guardada, pois é de tecido e matéria plástica.
Ao final da manhã foram realizadas conversas a respeito da responsabilidade sobre os trabalhos, pois todos esperam os resultados para o desenvolvimento da temática, que se for bem desenvolvida, ajudará a todos, e caso não seja, o prejuízo será de todos também. Foram cobrados os relatórios e dito que fossem entregues em duas cópias. Uma para os professores e outra para os monitores.
À
Grupo da malária auxiliado pela Professora Joana tarde iniciamos aprofundando a discussão sobre metodologia, ou mais propriamente rediscutindo o que ela representa, sendo, após a fala dos monitores, passada a palavra a cada participante para se expressar sobre o assunto. Esse passo atrás, foi muito interessante, pois o que parecia entendido ainda não estava e deu para ver uns aprendendo com os pensamentos dos outros, ao mesmo tempo em que cada um reafirma os seus próprios pensamentos. Após o intervalo, como os relatórios ainda não haviam sido feitos, a turma foi dividida para o seu desenvolvimento.
À noite tivemos mais uma reunião de avaliação e melhoria das relações inter-pessoais na equipe. Foi também definido a necessidade de se estabelecer um assessor para cada pesquisa. Foram discutidos pontos como: Responsabilidade; Diário do Pesquisador; relação inter-pessoal na equipe tensa; temas e grupos a serem assessorados; continuidade das pesquisas e a necessidade de redimensionar e rever o planejamento operacional.
Falei um pouco da minha compreensão sobre a pesquisa acreditando que, no caso, ela assume três dimensões distintas, a saber: definir temas para inserir no conteúdo programático do curso; exercitar a aprendizagem; e possibilitar o encaminhamento para situações de interesse da comunidade (problemas, sonhos e vontades). Do jeito que está colocado, me parece que está se dando ênfase apenas aos problemas, perdas e coisas ruins por resolver, quando tem tanta coisa boa a ser pesquisada.
Na Segunda-feira, dia 17/03/2008, pela manhã foi conversado bastante pelos monitores sobre organização e sobre higiene, sendo reforçado dizendo, “aqui queremos dar exemplo para a comunidade”. Depois de falar sobre o assunto, o Haroldo que já havia colocado uma lixeira no centro da sala, pediu a todos que colocassem nela o lixo que estava embaixo das cadeiras.
No quadro estava escrito uma poesia na língua Munduruku que era na verdade uma música sobre a dança da cutia, que foi cantada depois que perguntei do que se tratava e pedi para ouvir. Eles não sabiam como dançar ou ficaram envergonhados. À tarde abriu-se espaço novamente para apresentação dos trabalhos de pesquisa Após a apresentação dos trabalhos o grupo de pesquisa sobre a malária contou uma música antiga dos Munduruku.
“ ÔN TO TO MO JEKUAP HO 2X
ÔN TO TO MO JEKUAP 2X
WEKUAP EJU MA MO, OPEREĞ PERĔG
BAIIIII “
A rigor foi feita uma reapresentação dos temas. O grupo que pesquisa a Mudança da Cultura falou sobre as plantas medicinais e sobre a decisão de se aprofundar nesta parte da pesquisa fazendo um recorte do tema. Após um breve intervalo foi apresentada a pesquisa da borracha e na seqüência novamente a malária. Assim todos os grupos fizeram apresentação.
Por fim o grupo da malária fez a apresentação de uma nova música. Quase ninguém sabia, mas escreveram e leram.
Resumindo, foram trabalhados na turma que fui colocado os temas de Mudança da Cultura, Malária, Borracha e Tracajá.
À noite ainda nos reunimos quando coloquei minha possível desistência da continuidade, naquele momento, na equipe por questões particulares. Coloquei também a minha preocupação em se levar um profissional que já havia dado problemas em Sai Cinza, acima de tudo gripado com riscos de agravamento, para uma região de difícil relacionamento e operacional dificultado. Depois perguntei ao João Kabá sobre sua disposição de ir para o Katõ continuando na equipe e ai sim, após sua confirmação, eu decidi permanecer nos trabalhos.
2.1.1 Conclusões sobre os trabalhos na aldeia Sai Cinza
Como consolidação do trabalho em Sai Cinza, podemos sintetizar nos seguintes comentários:
1 – A metodologia de trabalho a ser seguida ainda precisa de ajustes e de maior nivelamento entre os profissionais e alunos;
2 – O operacional precisa ser mais bem cuidado, pois tem tomado tempo dos participantes em diversos graus e assim prejudicado o andamento dos trabalhos. Talvez se precise de mais autonomia e menos atrelamento a estruturas superadas;
3 – o acompanhamento das pesquisas pode ser mais bem estruturado cuidando-se de dar espaço também para a sua construção no momento da apresentação. Mas para isso precisamos de mais tempo;
4 – precisa ficar claro que cada pesquisa embora seja realizada por um determinado grupo, tem a responsabilidade de trazer da melhor forma possível o conteúdo para o aprendizado de todos;
5 – quanto aos temas de pesquisa achei interessante e dentro das realidades, podendo se verificar alguma dificuldade sobre o foco e mesmo a extensão temporária das mesmas. Aqui fica ainda uma observação sobre a divisão dos grupos. Não entendi, embora compreenda, o porquê que o monitor Zenildo está pesquisando sozinho um tema tão importante como Mudança da cultura. Isso traz um tratamento diferenciado e individualista para um processo coletivo de cooperação, além de perdermos a oportunidade de crescimento de vários outros alunos que estariam sendo orientados pelo próprio Zenildo, de capacidade indiscutível. Não é bom para o curso ter tratamentos diferenciados. Se ele não é aluno então é preciso deixar claro que é uma pesquisa acessória, ao invés de incluí-la na mesma categoria das outras.
6 – As relações inter-pessoais dentro da equipe precisam ser bem cuidadas principalmente no tocante a escolha de profissionais a altura do que se está realizando para não prejudicar o dia a dia das atividades com conversas de canto, pouco socializadas, criando grupos de interesse e desconfiança. Deve-se, porém, sem sentimentalismos, excesso de pudor ou paixões desmedidas que beire as raias da discriminação ou mesmo incompreensão, considerar sempre a dificuldade de se conseguir bons profissionais para o trabalho. Principalmente por remuneração tão irrisória e pela disposição de se ir para lugares remotos, insalubres e de periculosidade elevada em vários sentidos. Não deve ser uma decisão de coordenação, mas antes um assunto discutido por todos da equipe que já se posicionam de forma aparentemente permanente. É melhor deixar algum tema para ser desenvolvido depois do que colocar pessoas que não correspondam às expectativas profissionais necessárias (indigenistas, éticos e pedagógicos). É importante que haja uma preparação das pessoas mais novas no indigenismo para a sua boa atuação em campo. Quero deixar claro aqui que estes posicionamentos são pessoais.
7 – A falta de uma “secretaria executiva” e operacional, que toda escola deve ter, sobrecarrega de maneira aviltante os demais profissionais indigenistas e professores. Isso prejudica de forma perigosa a percepção das questões pedagógicas e relativas ao relacionamento humano, tanto entre os profissionais da equipe, quanto entre esses e os alunos e mesmo entre os alunos. É recomendável que nas gestões com a Secretaria de educação do Pará se organize essa parte vital para o bom desenvolvimento do curso.
Na Terça-feira, dia 18/03/2008, ainda em Sai Cinza, continuamos a preparação de material para uso e deslocamento para a aldeia Katõ saindo de Sai Cinza às 14h05min com chegada às 19h30min. Isso representou um atraso de mais meio dia nos trabalhos.
Muitas vezes achamos que uma ou duas horas de conversa pouco adiantam, mas na realidade, algum tempo pode inserir o tema e mais algumas informações que servem para discussão e abordagem nas conversas informais noturnas. É quando há um tempo para melhor pensar sobre tudo que está ou vai acontecer. É também, em diversas situações, o momento que os velhos se aproximam e dão sua opinião sem o constrangimento público ou da luz. É bom dormir pensando no que vai acontecer no dia seguinte. Após a instalação, nos alimentamos e realizamos uma reunião com o Marcelo, chefe de posto da FUNAI, para acertos sobre o trabalho.
2.2 Trabalhos na aldeia Katõ
Na quarta-feira, dia 19/03/2008, demos início, pela manhã, aos trabalhos de acompanhamento com a conceituação sobre organização, respeito, liberdade, responsabilidade e união.
A
Grupo de resgate da cultura da aldeia Katõgora a equipe tinha sido alterada, sendo professores/assessores os indigenistas Carlos salgado e Terezinha, e os monitores João Kabá e Claudete.
Seguiu-se a apresentação de cantos e danças por integrantes da comunidade. Existe um grupo de meninas que se apresentam regularmente na aldeia em um processo de resgate cultural.
Após a manifestação cultural foi apresentado pelo João Kabá o calendário do curso e definido com os alunos os horários das atividades e o tempo que ficariam na aldeia para o seu desenvolvimento. Tivemos a presença de 45 alunos, uma desistência e duas novas pessoas incluídas, sendo um transferido de turma do Sai Cinza, o Geraldo do grupo saúva e uma nova aluna a Gercenilda que entrou no lugar de um desistente, o Jesse. Quase houve mais uma desistência, a Nilza, por motivos de conversas na prefeitura e comunidade de Jacareacanga que disse que o curso não serviria para dar diploma, pois não era oficial e outras coisas do gênero para desestimular a participação no projeto. Também se falou da importância de se fazer o curso na aldeia, pois tem muitos alunos que estão fazendo na cidade e lá não têm apoio nenhum sendo inclusive perigoso. Não tem higiene onde ficam e mesmo que consigam passar pelo corredor de bares e chegar às aulas, é comum que fiquem até mais tarde nos mesmos chegando à casa muitas vezes pela manhã, prejudicando sobremaneira o rendimento. Comentaram ainda que na aldeia tem sempre um parente que pode ajudar e que o pariwat não dá nada e ficam todos passando fome na cidade.
S
urgiu um debate sobre o local correto para o curso. O aluno Dionísio Crixí, baseado em argumentos sobre o difícil deslocamento, colocou a importância de se ter a turma ali presente, ligada a Sai Cinza e quando forem reunidos todos, ocorra em dois lugares diferentes. Um em Sai Cinza alternando com Katõ que reunirá Sai Cinza, Katõ e Rio das Tropas, e outro que reunirá Missão, Munduruku e Teles Pires. Nessa hora fiz uma interferência no sentido de explicar que não só o operacional deve ser levado em conta, mas também as questões relativas à quantidade de professores que teriam que atender dois lugares. Falei também que o assunto seria levado às instâncias decisórias sobre o curso, visto que não tínhamos autonomia para deliberar e decidir sobre o assunto. Aqui me foi informado depois pela Terezinha que existem outras questões sócio-culturais que devem ser consideradas, que acredito, pelo teor, ser muito importante contemplar.
Depois realizamos o reconhecimento de cada grupo de pesquisa com seus nomes, a pesquisa que estão realizando e o representante de cada um, conforme segue:
Grupo
Nome
Tema de Pesquisa
Representante
1
Arikiko
Poluição do Cabitutu
Dionísio Crixi
2
Poat poat
Diminuição dos peixes
Rosinaldo
3
Poxo Kao Kao
Organização social dos clãs
Eduardo Karo
4
Koropsare
Origem da língua
Reginaldo Poxo
5
Kaxi
Campo savana
Gilsom Saw
6
Soat muy’ ũbu
Tinguejada
Nilza
7
Wriyda
Agricultura
Genésio Kabá
Passamos da hora do almoço prevista para 11h00min, mas parecia que ninguém estava se importando. Ficou inclusive definido que a programação se estenderia por mais três dias de atividade além do previsto. A ansiedade e interesse pelo curso, pelo saber novo que chega e pela oportunidade de um possível diploma do ensino médio têm demonstrado o grande interesse dos Munduruku pelo estudo. Isso é positivo, mas precisa ser bem explorado e oportunizado, pois com o tempo longo e o cansaço alguns começam a fraquejar e ai vêm as desistências.
Depois do almoço após a leitura do resumo do texto sobre a pesquisa no ensino médio integrado Munduruku, João Kabá interpretou e explicou a todos.
Após isso, ainda depois do almoço, foi feita a divisão das pessoas pelos seus grupos. Depois foi distribuído material sobre a pesquisa no ensino. Foram novamente separados grupos de pesquisa e após a leitura cada grupo expressou o que havia entendido.
Aqui tivemos um pequeno problema que precisa ser tratado. Pelo excesso de preciosismo e dificuldade de condução de trabalhos pedagógicos, por minha parte, dei importância excessiva aos textos com os quais trabalharia de forma individual/coletiva (cada um com o seu). Deveria ter atentado melhor que foi providencial, embora tenha sido surpreendido na hora de distribuir, não ter textos para cada pessoa, pois assim poderia transformar a atividade de forma mais dinâmica em pequenos grupos. Mas me preocupei com quem tinha deixado de trazer os textos que eu havia contado e separado para que não faltassem. Como já havia tido uma informação sobre que os mesmos já haviam sido distribuídos anteriormente, insisti que era preciso distribuir e que os mesmos não haviam sido entregues conforme os próprios alunos falaram. Esse fato causou certo desconforto entre eu e a monitora Claudete.
Superamos essa indisposição plenamente com a participação da Professora/Indigenista Terezinha que interveio para esclarecer e também com o meu afastamento proposital provisório da sala de aula até o fim da tarde. Ficam aqui alguns aprendizados: todas as questões extra educacionais acabam por interferir, cansar e tirar a sensibilidade das pessoas envolvidas no trabalho educacional, que já é bem estafante por si só; é preciso saber até onde temos o direito de interferir quando estamos construindo um processo protagonista; é importante termos claro quem deve ceder, em casos de atrito, para não “fazermos uma tempestade em um copo d’água”; é importante ter muito claro também a importância de termos e respeitarmos a participação de indigenistas comprometidos como o povo com o qual estamos trabalhando e com a sua autonomia; a carga colocada para um monitor deve ser bem medida tanto quanto a sua capacidade pedagógica quanto emocional. Não devemos perder de vista também que mesmo tendo sido escolhidos monitores, ainda, e principalmente, estão em processo de formação em serviço, o que pede maior atenção e respeito a sua contribuição. È sempre importante estar atento a preparação dos monitores para cada atividade.
À noite realizamos uma primeira reunião de coordenação dos trabalhos com a equipe e mais os sete representantes dos grupos de pesquisa. Foi uma reunião muito boa. Principalmente por que com a metodologia de termos sugerido e trabalharmos junto com representantes de cada grupo, facilitou o encaminhamento de dúvidas e esclarecimentos de ambas as partes, ampliando a compreensão e união do grupo. Abri a reunião colocando alguns pontos a serem considerados e passei a palavra ao João Kabá para a devida interpretação. Foi convidado para a reunião também o professor Joel que também assumiu a posição de monitor e já havia participado à tarde de nossa atividade.
Seguem os resumos das diversas falas:
Eduardo, representante do grupo Poxo Kao Kao. Essa é a primeira etapa do curso que estamos esperando desde 2005. É interessante os monitores. Setembro e Outubro, as datas marcadas está complicado, pois se faltarmos as aulas podem descontar do nosso salário. Dá pra aproveitar janeiro e fevereiro
Marcelo, chefe de posto indígena da FUNAI. A princípio eu achava que ia encontrar os professores brancos na frente e foi uma surpresa encontrar os Munduruku na frente. É importante vocês se conhecerem como era antigamente. Vamos aproveitar a oportunidade e se dedicar
Rosinaldo, grupo Poat poat. É importante como os monitores indígenas mesmo. Com os monitores é bom. Estamos indo devagar, mas como o Jabuti. Ai a Terezinha falou que ele só anda pra frente.
Reginaldo, grupo Koropsare. Tem dificuldade de falar no português ai é importante o monitor. Eles tem responsabilidade deles mesmo tem que sair as idéias. Eles têm que ter a reflexão. Eles mesmo têm que ter as idéias. Os monitores têm o domínio de explicar o que estão falando. Nosso objetivo é chegar lá. Ai o Marcelo falou da importância de ter um intérprete.
Dionísio Crixi, grupo de pesquisa Arikico. Nosso estudo tem muito boré que vai aprender mais. Quando os monitores esclarecem pra nós é importante. Quando pariwat fala português agente fica perdido. O ensino médio Munduruku. Aqui agente estuda e não ta passando fome Que bom que o André e a FUNAI está pensando assim. Poderia ser dividido. No Sai Cinza, Rio das Tropas e Katõ. E lá na Missão junto com Munduruku e Teles Pires. Cada vez mais estou percebendo, gravando e entendendo. Agente tem que procurar saber para os professores passar pros alunos. Tem muitos índios que não abe o que os pariwat estão falando. Então com os índios na frente fica mais fácil de entender.
Gilson, grupo de pesquisa Kaxi. Lá fora é muita dificuldade pra gente estudar. Até por que quando agente sai, ou quando agente tem o pai ou a mãe que tem dificuldade de mandar alguma coisa pra ajudar. Quando agente tem dúvida os monitores ajudam. Quatro a dezenove de julho eu estou na área trabalhando. Por que eu tiro as férias somente no mês de janeiro. Quero conversar com a coordenadora para mudar nossa escala.
Geraldo, grupo de pesquisa Wrida. Só estou ouvindo. Segue o representante do grupo Genésio. É bom ter os monitores pois muita vez tem os textos que complicam (sinônimos). Devagarinho conseguiremos chegar, pois muitas vezes tem várias barreiras pra passar.
Nilza, grupo de pesquisa Soat muy’ ũbu. Eu vou falar a mesma coisa que eles falaram, mas eu vou falar na minha língua, pois eu estou nervosa. É importante ter os monitores. Eu estava quase desistindo porque falaram errado mas já estou com raiva de mim mesmo.
Joel, monitor. As pessoas que não entendem, tem monitor pra tirar as nossas dúvidas, pois se agente não tira as dúvidas pra poder se aperfeiçoar. Cada ano agente tem palavras diferentes. É importante porque chegou ensino médio na aldeia porque na cidade agente não tem nossos parentes ai agente passa necessidade. O pessoal que sai da aldeia ta passando necessidade. Quem não tem dinheiro pra pagar apostila. Pariwat todo tempo ele tem dinheiro agente só tem quando recebe. Ai outro dia agente já não tem. Fazer no Sai Cinza ou aqui no Kato vai ter menos despesa.
Em resumo podemos dizer o seguinte: ainda estão inseguros pelas falações dos pariwat; todos estão felizes com o trabalho com os monitores; há certo problema (questão cultural?) que precisa ser considerado, pois afeta o emocional e também afetará diretamente a estrutura organizacional; Há uma grande preocupação com o calendário e as atividades de trabalho de cada aluno que tem atribuição na educação ou saúde.
N
a quinta-feira, 20/03/2008, pela manhã o professor João Kabá desenvolveu melhor o assunto sobre os vários passos da pesquisa. Depois seguiu-se sobre a metodologia, recursos, descobertas dificuldades e tempo.
À tarde foram feitas as apresentações do andamento das pesquisas. Aqui fiquei pensando como é importante ter clareza de que cada palavra nova que falamos traz um novo conceito e muitas vezes um novo significado que precisa ser trabalhado e esclarecido.
D
urante a manhã, o Capitão da aldeia, Sr. Arnaldo, que estava viajando, fez sua palestra sobre os trabalhos na forma como estão sendo desenvolvidos.
Ainda pela manhã falou-se sobre a metodologia, recurso, descobertas, dificuldades e tempo. A tarde foi dedicada a apresentação das pesquisas de todos os grupos. Apenas pude observar que ainda existem grandes dificuldades em compreender o método que estamos utilizando.
Isso é normal, pois o ensino fundamental do qual são originários, além de romper com a cultura indígena, o fez por métodos convencionais coercitivos e impostos com uma construção do saber de fora para dentro. Por enquanto o que é possível ver é que estão se familiarizando com o que precisa ser feito, mas ainda compreendem pouco o porquê das coisas serem assim.
À noite foi realizada mais uma reunião de avaliação com o direcionamento e participação ativa dos Munduruku. Isso mudou um pouco a ótica, pois esperavam mais uma reunião conduzida, quando na realidade passaram a conduzir. Passei a reunião para ser realizada por eles, tanto no comando quanto nas decisões, falas e jeitos de conduzir as conversas. A reunião foi bem animada, mas pouco escrevi, pois falaram um pouco mais em Munduruku e eu estava desenvolvendo outro trabalho para deixar com o João Kabá as fotografias do curso. A rigor, fiquei sem saber o que falavam . . . Talvez no meu devido lugar, dentro do possível.
Antes de passar a palavra, falei que a responsabilidade era nossa e que estava parecendo que estávamos jogando um peso nas costas deles, mas argumentei que era uma oportunidade deles se manifestarem de forma autônoma para cada vez conduzirem mais o processo. A reunião transcorreu em clima sério, cheio de brincadeiras e de assuntos de encaminhamento e avaliação do dia e . . .
Na Sexta-feira, dia 21/03/2008, a minha participação nos trabalhos se resumiu a uma palestra sobre oportunidade, liberdade e responsabilidade no desenvolvimento das pesquisas e do próprio curso. Escrevi no quadro uma expressão do Renato Russo:
“Quem pensa por si só é livre.
E ser livre é coisa muito séria”
Dei seguimento falando do desenvolvimento e recomendações sobre o diário do pesquisador e sua importância, da participação diferenciada de cada um no curso e sobre os relatórios parciais de pesquisa dos alunos, dos professores e demais colaboradores.
Após minha participação na atividade o João Kabá foi me deixar na beira do rio e me pediu para conseguir mais material sobre educação indígena e prometi fazer o possível para isso acontecer. Me despedi dele agradecendo a oportunidade de trabalharmos juntos, e do chefe de posto agradecendo pelo apoio acertado e me desculpando por alguma coisa. A seguir deu-se o meu deslocamento para Jacareacanga já citado anteriormente.
2.2.1 Conclusões sobre os trabalhos na aldeia Katõ
A questão operacional na aldeia foi encaminhada pelo chefe de posto da FUNAI, professor Marcelo, que mobilizou a comunidade para o atendimento das necessidades. Tudo correu muito bem com pequenos ajustes feitos conforme necessário. A exemplo do uso dos alimentos para famílias da comunidade por pessoas envolvidas no trabalho, normal, mas dispendioso.
O fato do Marcelo ser professor aguçou o seu interesse pela atividade, sendo, guardadas algumas interferências ansiosas e um pouco paternalistas, ao estilo FUNAI, muito boa a sua participação.
Também é importante registrar a sua boa vontade na utilização dos equipamentos de fotografia e informática particulares visto que o computador da FUNAI estava quebrado.
Deve-se trabalhar melhor a sua participação ficando clara a necessidade de se resguardar o espaço do curso para o protagonismo indígena sem a interferência institucional da FUNAI.
Também testamos com o esforço do Marcelo incluir outros itens na dieta diária. Não só recursos alimentares tradicionais de maior sustentabilidade por serem apropriados e produzidos na aldeia. Cabe melhor tratamento para essa questão, pois o que se leva é o espelho do que se vai querer no futuro. Esse procedimento trás dinheiro para capitalizar a comunidade e possibilita um operacional menos estressante com menos gasolina, isopores para transporte, etc.
Assim itens como: carne de caça e pesca (munição, material para pesca); legumes em geral (abóboras e todos os outros itens cultivados ou mesmo de possível cultivo regional); frutas naturais (açaí, bacaba, buriti, entre outras); frutas cultivadas (coco, limão, mamão, cacau); alimentos processados internamente (farinha puba, farinha de tapioca, polvilho para beiju); Carne de criação própria de galinha ao invés de frangos congelados cheios de hormônios, vitaminas e antibióticos. Neste ponto cabe orientação especializada, pois é por onde se desestrutura o sistema de segurança alimentar pois é difícil criar uma vaca ao lado da casa para se ter leite ou mesmo secar até virar pó, é difícil plantar um pé de bolacha de latas de extrato ou um pé de óleo de soja responsável pela aceleração do desmatamento da Amazônia.
A fábrica e o armazém dos Munduruku são a natureza e as roças e isso deve ser permanentemente reafirmado principalmente em trabalhos com educação onde tudo é observado e seguido. É importante sempre avaliarmos essa questão inclusive por nossas posturas. Assim estaremos necessitando de menos dinheiro para a sobrevivência e ai precisaremos de menos garimpo ou garimpos mais cuidados, com uma extração menos impactante sobre a natureza provedora da vida Munduruku. Isso traz, resgata e afirma mais sustentabilidade, autodeterminação e autonomia, que é o sentido de se trabalhar aspectos da educação.
Brasília, 6 de abril de 2008.
Carlos Antônio Bezerra Salgado
Assessor Ensino Médio Integrado Munduruku
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